quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Breve histórico sobre a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio.

  

                A lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, surgiu como um marco no que tange os direitos das mulheres. Inspirada a partir, da luta da farmacêutica cearense Maria da Penha que foi vítima de violência do marido, que atirou contra ela a deixando  paraplégica, tendo atentado novamente contra sua vida por eletrocussão. Maria da Penha só foi presenciar justiça em relação a seu caso, 19 anos depois e mesmo assim, seu agressor só cumpriu dois anos da pena. Maria, hoje se tornou símbolo da luta contra a violência à mulher. No ano de 2016 a Lei completa 10 anos e ainda rende muitos debates e polêmicas. A Lei trouxe a tona algo que durante muitos anos foi silenciado: a violência doméstica e familiar. Segundo o artigo 5º da própria Lei, violência doméstica consiste em:


Art. 5º Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.


                   A partir desta Lei, as mulheres podem contar com a intervenção do Estado para que se faça justiça quando ocorre violência no ambiente doméstico/familiar. É sabido que essa violência é bastante presente na vida das mulheres no Brasil, resultado da naturalização de uma cultura machista que “objetifica” as mulheres e instaura hierarquias entre os gêneros.
O Estado tomou pra si essa responsabilidade de tentar erradicar a violência doméstico-familiar, criando mecanismos legais para punir os agressores de maneira mais rígida.
As formas de violência contra a mulher vão muito além da violência física, também a violência psicológica, patrimonial, sexual e moral entram no rol de ações puníveis pela Lei, como deixa claro o artigo 7º:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; ação parlamentar 15 Procuradoria Especial da Mulher;
 IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.


             A luta por justiça no caso de violência contra as mulheres, segue como uma das principais pautas dos movimentos feministas. Tal pauta avançou bastante nas últimas décadas, porém a violência contra mulheres continua bastante presente nos dias atuais. É preciso lembrar que violência contra mulheres não acontece somente nos casamentos, também ocorre nas relações de namoro e por motivos corriqueiros, por isso a importância de uma conscientização para prevenir a violência de gênero nas relações e de punições efetivas para agressões ocorridas..


         (...) o movimento de mulheres e feministas conseguiu  sensibilizar o governo: criaram-se as delegacias especializadas para a defesa da mulher (em 1985) e se levantaram vozes contra a absolvição de assassinos de mulheres. Criou-se um novo paradigma de condenação dessa antiga e continuada criminalidade. (Blay,2014).

As delegacias comuns encontram-se despreparadas para atender esses casos, pois uma abordagem efetiva requer sensibilidade para lidar com casos de agressão contra mulheres – sensibilidade que não está previamente dada, visto que a hierarquia de gênero é um traço cultural naturalizado e a violência é muitas vezes vista como um modo de policiar e reinstaurar tal hierarquia.  As delegacias mantidas e geridas por homens acabavam por receber e lidar de maneira equivocada com as vítimas de violência doméstica, portanto os crimes acabavam impunes.  Assim, surgiu a necessidade da criação das DEAMs (Delegacia de Atendimento a Mulher). Como afirma Blay(2003) em seu artigo “Violência contra as mulheres e políticas públicas”:

Nos anos anteriores, as mulheres que recorriam às Delegacias em geral sentiam-se ameaçadas ou eram vítimas de incompreensão, machismo e até mesmo de violência sexual. Com a criação das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) o quadro começou a ser alterado. O serviço nas DDMs era e é prestado por mulheres, mas isto não bastava, pois muitas destas profissionais tinham sido socializadas para que  entendessem que meninas e mulheres tinham o direito de não aceitar a violência cometida por pais, padrastos, maridos, companheiros e outros. Esta tarefa de reciclagem deve ser permanente, pois os quadros funcionais mudam e também os numa cultura machista e agiam de acordo com tais padrões. Foi necessário muito treinamento e conscientização para formar profissionais, mulheres e homens, que problemas.

É importante analisar também qual o perfil das vítimas de violência e se dentro disso há uma questão social e racial também. O DF – com suas duas DEAMs – registrou em média 12,8 mil casos de violência doméstica em 2014, segundo pesquisa do Correio Brasiliense, divulgada em setembro.  Segundo uma pesquisa do Jornal de Brasília, também publicada em  setembro de 2015, Ceilândia, Região Administrativa considerada periférica, é onde há mais casos de violência doméstica registrados, mas deve-se levar em conta que é uma das Regiões mais populosas.
Um dado preocupante e que deve ser analisado pelo Estado é que mesmo com a vigência da Lei Maria da Penha, o número de mulheres negras agredidas e assassinadas é maior do que as mulheres brancas e esse alto de mulheres negras assassinadas aumentou nos últimos anos, mesmo com a vigência da LMP,  segundo o Mapa da Violência de 2015 (Waiselfisz).

Observe o gráfico:




Observa-se a grande diferença entre os homicídio de mulheres negras e brancas e com isso conclui-se que há sim também um viés racial nas vítimas de feminicídio, levando em conta que as mulheres negras vivem em maior situação de vulnerabilidade.
             É válido ressaltar que um dos motivos que várias mulheres ainda continuam com seus parceiros, mesmo sendo agredidas é principalmente pela falta de autonomia financeira que as obrigam a manter a relação por pura sobrevivência. Ligando isso ao fato das mulheres negras serem as maiores vítimas de violência doméstica, deve-se ao fato que socialmente as mulheres negras se encontram em maior vulnerabilidade social, por questões raciais, principalmente. Werneck, integrante da ONG Criola em um artigo publicado no site El País, traz uma resposta para justificar essa problemática:

        “Uma política pública justa e democrática precisa ser destinada a grupos específicos”, afirma. Segundo ela, ao tratar as mulheres de forma homogênea sem levar em conta os diferentes contextos enfrentados pelas negras e pelas brancas, o Estado “tende a privilegiar grupos privilegiados, e prejudicar grupos marginalizados”. “A mulher negra tem dificuldade de acessar não apenas a rede de proteção contra a violência, mas todas as outras”, afirma. “Muitas delas têm medo de recorrer ao Estado em casos de violência porque sabem que é o Estado que mata os homens negros, logo ela não confia nele.” (PORTAL EL PAÍS 2015)

Fruto de toda essa luta que se institucionalizou com a Lei Maria da Penha,  surgiu um novo termo que no ano de 2015 foi incorporado ao Código Penal Brasileiro, que foi o “Feminicídio”. A Lei 13.104 foi Sancionada pela presidenta Dilma em março de 2015 e já está em vigor. O feminicídio se caracteriza como um crime de gênero, ou seja, o fato do homem se sentir superior à mulher e com isso assassiná-la. Esse debate veio à tona, depois de inúmeros casos de assassinatos de mulheres por seus companheiros, vale lembrar que esse crime também é tipificado por conta da relação entre assassino e vítima, na maioria dos casos, mantém relações conjugais ou outras relações como: namoro ou amante. E entra no caso, dentro da Lei Maria da Penha. Há muitos casos emblemáticos de Feminicídio, como o “caso do goleiro Bruno”, que matou a jovem Eliza Samudio ,mãe do filho que se recusou a assumir, e com quem mantinha uma relação extraconjugal. Houve também o caso de Eloá que foi sequestrada e em seguida assassinada pelo namorado inconformado com o fim da relação, depois de uma tentativa frustrada da polícia de tentar resgatá-la. Esses são só  dois exemplos de inúmeros casos que são noticiados cotidianamente na TV (e de tantos outros que nem chegam à mídia), por isso deve-se ter um olhar atento a esse tipo de crime, fruto também de uma sociedade machista que oprime e coloca em risco a vida das mulheres. Também é importante levar em conta que tipo de cobertura a mídia dá a esses casos e como canaliza e amplifica o senso comum acerca da violência doméstica.
Analisando os números de casos relatados de violência doméstica, percebe-se que logo após a promulgação da LMP, desde 2006, ocorreu uma diminuição, mas posteriormente houve um aumento nos caos e violência o que preocupa bastante as autoridades.

Entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937 para  4.762, incremento de 21,0% na década. Essas 4.762 mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos diários. Levando em consideração o crescimento da população feminina, que nesse período passou de 89,8 para 99,8 milhões (crescimento de 11,1%), vemos que a taxa nacional de homicídio, que em 2003 era de 4,4 por 100 mil mulheres, passa para 4,8 em 2013, crescimento de 8,8% na década. Limitando a análise ao período de vigência da Lei Maria da Penha, que entra em vigor em 2006, observamos que a maior parte desse aumento decenal aconteceu sob  égide da nova lei: 18,4% nos números e 12,5% nas taxas, entre 2006 e 2013.

Abaixo o gráfico que mostra de maneira mais exata essas estatísticas:



            Acima fica evidente o decréscimo de casos de 2006 a 2007, provavelmente devido a grande exposição midiática e mobilização da opinião pública em debates sobre a LMP. Mas, percebe-se que em 2010 os números são até mesmo superiores a 2003 e 2013 apresenta o maior número registrado. É possível argumentar que esses números também aumentam devido a existência da LMP – na ausência de uma lei específica, a sensação de impunidade provavelmente era maior. Também se poderia especular que alguns crimes tipificados pela LMP nem eram compreendidos como parte integrante do conceito de violência doméstica.                
Assim, é importante lembrar que a Lei é importante não somente pela punição, mas sim por toda carga ideológica que ela traz, por seu papel didático de promover uma maior compreensão acerca do fenômeno da violência contra mulheres, por ser fruto da luta por justiça de Maria da Penha, a mulher, e de ser pauta antiga dos movimentos de mulheres e feministas que tentam combater a naturalização da violência de gênero, bem como ampliar o conceito de direitos humanos para compreender direitos das mulheres em seu escopo.
            Alguns países da América Latina, já tipificaram o crime de Feminicídio, como deixa claro o Promotor de Justiça (SP) Mariano da Silva (2015, p. 01) em seu artigo “Primeiras impressões sobre Feminicídio”:

Na América Latina, vários são os países que tipificaram o feminicídio. Na Costa Rica, no Chile e no Peru as legislações punem o homicídio de mulher por alguém que com ela tenha mantido relacionamento íntimo (cônjuge, companheiro, ou até mesmo namorado, como no caso do Peru). Já em El Salvador, Guatemala e México o crime é punido porque a morte da mulher ocorreu em razão de seu gênero. Em todos esses países o crime é punido de forma autônoma, dando-lhe especial tratamento. Dessa forma, será qualificado o homicídio quando praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (art. 121, § 2º inc. VI, CP).

             Se há uma estatística preocupante e recentemente divulgada é de que as mulheres negras são as principais vítimas de violência, onde foi anunciado recentemente em uma pesquisa da ONU e divulgada no site “Brasil.gov”,   tendo um aumento de 54,2 %  dos casos de mulheres negras assassinada, na maioria das vezes  por seus companheiros.
O Mapa da Violência de Gênero 2015,  trouxe números preocupantes no que tange a Violência de Gênero. E o fator que faz com que as mulheres negras sejam maiores vítimas de violência é a situação de vulnerabilidade em que elas se encontram até hoje, fruto de um processo de machismo arraigado ao racismo, puro resquício de escravidão e exclusão da população negra. Muitas dessas mulheres são chefes de família e se encontram nos empregos mais precários Segundo Nilza da Silva(2003):

A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, e as poucas que conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial e ascender socialmente têm menos possibilidade de encontrar companheiros no mercado matrimonial.



Parte do trabalho de conclusão de curso da pós graduação de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade de Brasília.
Orientadora: Professora/Mestre Alice de Barros Gabriel
Karla Ramalho – Pedagoga, ativista feminista ,poetisa e blogueira.


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