Os movimentos
feministas, ao longo da história lutaram e ainda lutam pelo fim da violência
contra as mulheres. A própria criação da Secretaria Especial de Políticas
Públicas para as Mulheres (atualmente extinta pelo governo interino) iniciada no governo Lula, foi fruto das pautas
colocadas pelos movimentos sociais para o governo federal e foi um grande avanço na busca por direitos
das mulheres e principalmente de combate a violência. A Central de atendimento
180, ligada a SPM, faz parte desse rol
de conquistas que facilitam a denuncia de violência que mulheres sofrem e que
têm consequências muito sérias em suas vidas. Como afirma Nalu Farias e Míriam
Nobre(1997):
A
violência impune humilha as mulheres e destrói seu amor próprio. É comum os
homens iniciarem suas agressões quando as mulheres estão com pouco amor próprio
e não se sentem capaz de reagir. Então, a atitude que pode parecer um
consentimento com a situação de violência, revela uma relação de dependência ,
uma relação em que estão presentes mecanismos de coerção.(Farias e Nobre – pag
18).
A luta por justiça da Maria
da Penha, ultrapassou barreiras e para conseguir seus direitos e punir seu ex-marido
que tentou assassiná-la, Maria da Penha lutou muito. Porém, sua luta só ficou
mais visível,quando houve interferência da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, já que a Justiça brasileira tratou o caso com pouca importância.
Dentre as Leis brasileiras, a Lei
Maria da Penha é uma das mais populares, pelo fato da violência doméstica ser
bastante comum, mesmo com a vigência da Lei. No entanto, também inspirou
campanhas e pesquisas que buscam combater esse tipo de violência, além de incentivar
mulheres a buscarem ajudar do
Estado contra a violência que sofrem.
Além da Central de
Atendimento à denúncias de violência, a SPM também conta com a Rede de
Enfrentamento à Violência contra a mulher, onde busca unir diversos setores do
poder públicos, de ONGs e da sociedade civil em ações conjuntas de
enfrentamento.
O conceito de rede de
enfrentamento à violência contra as mulheres diz respeito à atuação articulada
entre as instituições/serviços governamentais, não governamentais e a
comunidade, visando ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção; e
de políticas que garantam o empoderamento das mulheres e seus direitos humanos,
a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em
situação de violência. Já a rede de atendimento faz referência ao conjunto de
ações e serviços de diferentes setores (em especial, da assistência social, da
justiça, da segurança pública e da saúde), que visam à ampliação e à melhoria
da qualidade do atendimento; à identificação e ao encaminhamento adequados as
mulheres em situação de violência; e à
integralidade e à humanização do atendimento.(Site SPM/ Presidência).
Além desses programas algumas políticas
públicas dos últimos governos (Lula e Dilma) que incentivaram a formação, a
qualificação, inserção das mulheres no mercado de trabalho e a complementação
de renda foram eficazes para a mudança de vida de muitas mulheres, já que
muitas alcançaram sua autonomia financeira. Como os cursos técnicos federais, o
ProUni e principalmente o Bolsa Família, todos esses programas comprovadamente,
beneficiaram em sua maioria mulheres, mudando a realidade de muitas. Em 2014, o
MEC divulgou que 59% das vagas do Programa Universidade Para Todos, foram
preenchidas por mulheres, principalmente mulheres negras.
Blay (2014) esclarece
que as denúncias de violência contra as mulheres, desde o século XIX e XX, logo
em seguida, passou-se um bom período sem enfatizar essa violência e voltou
a se intensificar principalmente na
época da ditadura militar:
A denúncia da violência contra a mulher
voltou às manchetes através de novos papéis sociopolíticos desempenhados por
elas na ditadura militar, a partir de 1964, ao expor as inaceitáveis condições
de vida e de insegurança pública em que viviam.
O desvendamento da violência de gênero
culminou quando se desnudou a violência contra população negra e contra
segmentos da diversidade sexual: a extraordinária taxa de assassinato de
mulheres, de jovens negros e de pessoas com orientações sexuais diversas.
Após décadas de denúncias, finalmente
o movimento de mulheres e de feministas conseguiu sensibilizar governos:
criaram-se as delegacias especializadas para a defesa da mulher. (Blay 2014)
A LMP contribui para que as DEAMs fossem
implementadas de fato, também. É evidente que com a LMP, o debate e a
importância de se interferir em situações de violência no ambiente familiar
vieram a tona, uma vez que é consenso que processos de violência domestica não
só prejudicam as mulheres, mas também seus filhos. Durante um longo período e
pode ser dizer até hoje, o casamento sempre foi uma “instituição” de dominação
masculina, ou seja, influenciada pelo patriarcado. O mais aceito é que homem
trabalhe para o sustento da família, a mulher passiva cuide de todos os
afazeres domésticos, dos filhos e ainda faça as vontades do marido, inclusive
as sexuais. E mesmo as mulheres que também trabalham fora para complementação
de renda da família, continuam tendo as mesmas obrigações domésticas, a chamada
dupla jornada, ou seja, trabalhando muito mais que o homem. E isso é uma questão cultural totalmente
enraizada, utiliza-se até de argumentos biológicos pra essa questão, dizendo
que a mulher naturalmente tem mais aptidão para os serviços domésticos e
criação dos filhos e quando as mulheres conquistam o mercado de trabalho, ganha
consideravelmente menos que os homens. Toda essa questão é uma forma de
violência simbólica contra a mulher que culmina nas diversas outras violências,
uma forma de reafirmar o poder do patriarcado sobre a vida das mulheres.
Muito mais que denúncia e punição dos
agressores a LMP garante medidas protetivas às mulheres vítimas de violência
que é desde o afastamento obrigatório do agressor, onde não pode se aproximar
da vítima, até abrigos para mulheres que se sentem ameaçada pelo agressor, como
deixa claro na Lei em seus artigos 22 e 23:
Art. 22.
Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou
separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da
posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos
termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do
lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de
determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da
ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de
distância entre estes e o agressor;
b) contato com a
ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de
determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da
ofendida;
IV - restrição ou
suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento
multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de
alimentos provisionais ou provisórios.
§ 3o
Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz
requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
Outra ação que entra no rol de medidas protetivas e
também é uma ação da Secretaria de Políticas para as Mulheres que é a “Casa da
Mulher Brasileira”, que existe em vários estados brasileiros,
inclusive no DF. A Casa serve como abrigo para aquelas mulheres que se
encontram ameaçadas por seus agressores e não têm para onde ir, também é um
lugar de refúgio e de grande assistência para essas mulheres vítimas de
violência. Essa medida também está garantida na Lei, como foi citado nos
artigos acima. A LMP prevê, ainda, a restituição de bens, caso a vítima tenho
sido lesada pelo agressor e o mesmo não poderá vender nada do patrimônio fruto
da relação, como fica claro no artigo 24:
Art. 24. Para a proteção
patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade
particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes
medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente
subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a
celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em
comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações
conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória,
mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática
de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz
oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III
deste artigo.
Mas qual tem sido o papel da LMP no que
tange uma mudança de postura social perante a toda violência que a mulher sofre
ao longo do tempo? Se houve uma diminuição dos casos de violência no início de
vigência da mesma e ao longo do tempo, houve um gradativo aumento, é necessário
refletir o papel da LMP e se ela tem atingido de fato a problemática. O Brasil
é um dos países com maiores números de homicídios. Como explicita o Mapa da
Violência 2015:
Com sua taxa de 4,8 homicídios por 100
mil mulheres, o Brasil, num grupo de 83 países
com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde,
ocupa uma pouco recomendável 5ª posição, evidenciando que os índices locais
excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo.
O maior exemplo de que a Lei Maria da
Penha não foi suficiente para pelo menos
amenizar essa problemática foi a criação da Lei do Feminicídio que qualifica o
assassinato de mulheres em situações de violência doméstico-familiar (casos
definidos pela LMP). Muitos estudiosos e
juristas foram contrários a essa Lei aprovada no Congresso, porque já existe
punição para crimes de homicídios, mas no caso do Feminicídio há uma
tipificação do crime, como foi explicado anteriormente e consequentemente um
aumento da pena, entrando no rol de crimes hediondos.
Sobre homicídio, encontra-se no
artigo 121 do, Código
Penal do - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de
Dezembro de 1940 com inclusão das tipificações da Lei nº 13.104, de 2015:
Art. 121. Matar alguem:
Pena -
reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de
diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante
valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.
Homicídio
qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo
torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou
vantagem de outro crime:
Pena -
reclusão, de doze a trinta anos.
Feminicídio
(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VII - contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de
Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu
cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa
condição: (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015)
Pena -
reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2o-A Considera-se que
há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela
Lei nº 13.104, de 2015)
I - violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104,
de 2015)
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído
pela Lei nº 13.104, de 2015)
Homicídio
culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena -
detenção, de um a três anos.
É
importante que as campanhas contra a violência à mulher, também sejam feitas
direcionadas ao agressor, não somente no sentido de ameaça, mas também de
reflexão, levando em conta que a mídia não contribui para isso, pelo fato de ser
um dos meios que mais reproduz o machismo, pois o machismo também escraviza os homens, pela
cobrança do homem viril que reflete na masculinidade nociva, tão comum entre
eles. O homem sensível é mal visto, motivo até mesmo de chacota e tudo isso é uma forma de escravizar
culturalmente os homens, também, pois são educados dentro de uma cultura
machista, por mulheres que são vítimas do machismo e que sem perceber
reproduzem tais práticas gerando essas divisões sexuais e também a homofobia,
já que dentro dessa virilidade imposta, sentir afeto ou atração por outro homem é considerado errado. Como
esclarece Urra(2015):
Mulheres e homens ao nascerem, têm seu espaço
simbólico, a priori, com determinadas
características e certas funções, cercadas por um repertório de comportamentos
esperados para conduta. Em nossa cultura são enfatizadas nos homens
características como: honra, coragem, força, heroísmo, virilidade, ousadia,
audácia, dentre outras. Por outro lado, são negadas características como medo,
fragilidade, vergonha, sensibilidade, impotência e cautela. (Feminismo e Masculinidades. Pg 126) .
O reflexo dessa
masculinidade que é imposta aos homens, também se reflete na violência, pois
gera figura do homem agressivo e consequentemente possa vir a ser um agressor.
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